A conquista do sertão paraibano pelos europeus se deu, entre outras coisas, por dois aspectos econômicos: as bandeiras e a pecuária. As bandeiras eram expedições particulares de aprisionamento de índios - que prendiam índios tidos como mercadoria escrava- para ser vendida no litoral, aonde iam para os engenhos.
A pisada do gado bovino abriu caminho para os homens, uma vez que, a partir de 1660, a criação de gado é proibida pela Coroa portuguesa no litoral – o gado estava destruindo os canaviais – o gado era necessário como alimentação, principalmente no inverno, quando os engenhos houvessem parado. O algodão mais tarde, ajudaria neste processo, produzido para o auto-consumo até meados do século XVIII, passaria, graças ao avanço da industrialização mundial, a ser produzido em maior escala, voltando-se para o mercado internacional a partir do século XIX, reforçando a ocupação do interior paraibano.
Mas é principalmente, com a pecuária que, a partir do século XVIII, o sertão começou a se definir, com características culturais próprias, diferentes das do litoral. É nesse contexto que surge os primeiros núcleos de povoamento do sertão cujo redor se dava à vida dos vaqueiros, figura tipicamente sertaneja, criando a (nas palavras de Capristano de Abreu) “Civilização do couro”, dada à utilização da indústria do curtume numa época em que não existiam derivados de petróleo e o couro servia para vários fins e utilidades. Como pode perceber, em vestimentas como o gibão, que de forma rara ainda se percebe nos dias atuais como uma permanência cultural de uma época, tal qual a armadura de um Dom Quixote a se manter fiel as suas origens históricas, como símbolo daqueles personagens anônimos que foram os pioneiros na construção do Vale do Piancó.
Mas nem sempre a palavra Sertão teve o mesmo significado dos dias atuais. Nos primeiros anos da ocupação paraibana, para o português, sertão era tudo que não fosse litoral. Como nos narra o historiador José Otávio. “Esta palavra possuía, então, significado específico. Corruptela de desertão, significando terra deserta, isto é, ignota, desconhecida, o sertão começava, originalmente, logo depois da costa. Essa é a razão por que se fala em sertão do Taipu, no atual município de São Miguel do Taipu, a apenas vinte e dois quilômetros da capital (...) Só na segunda metade do século XIX, com os progressos da geografia e aparecimento da literatura dita sertanista, sertão equivale a região fisiográfica delimitada e distinta, no caso da Paraíba, do litoral, brejo e cariri” (MELO, 1997, p. 72). As origens do Sertão do Piancó, ou Vale do Piancó, onde estão os municípios, em sua maioria banhados pela bacia do rio de mesmo nome e onde está localizado o atual município de Piancó, estão relacionados ao processo antigo de interiorização e conquista da Paraíba. No período colonial, no século XVI, quando a Coroa portuguesa explorava o território brasileiro, com um modelo agro-exportador de gêneros como pau-brasil, fumo, pimenta, guaraná (da Amazônia) e principalmente, a cana-de-açúcar, que foi tão explorada no litoral nordestino, com muitos engenhos, o interior se estabelecia com a criação de gado e a produção agrícola.
O processo de interiorização da Paraíba foi tardio, se comparado com outras áreas, em conseqüência da guerra que se travou no litoral contra a ccupação holandesa. A ocupação do sertão paraibano só ocorreria a partir do século XVII. Partiram rumo ao sertão bandeirantes tanto do litoral paraibano, como do interior da Bahia e, até mesmo, alguns vindos de São Paulo. “Já eram passados mais de 80 anos, depois de iniciada a colonização da Paraíba do Norte [antigo nome da Paraíba], isto é, depois da fundação de sua capital, quando foram dados os primeiros passos para a catequese dos [índios] cariris. (...) Grande parte desse prazo havia sido consumido na guerra holandesa, (...) Com o auxílio do governo, formaram-se duas fortes bandeiras e partiram à conquista do sertão (...) Ao tempo que partiam da capital da Paraíba as duas bandeiras de descoberta e conquista do interior da capitania, (ou antes) penetravam em Piancó parte remota e ignorada do seu sertão, outros bandeirantes paulistas baianos”. (JOFFILY, 1977, P.113).
O historiador Celso Mariz nos dá o tempo exato entre a expulsão holandesa e o começo da conquista do interior paraibano, que foi quando “Normalizada a vida na Paraíba uns dez anos após a expulsão dos holandeses, iam recomeçar as explorações no interior, aprofundando-se a sua conquista” (MARIZ, 1994, P. 37). A ocupação do Vale do Piancó se deu em uma época de homens em busca de riquezas rumo ao oeste a ser desbravado, pois o litoral já estava se povoando “demais”, uma época em que os senhores de engenhos e homens mais abastados tinham um zelo tão forte com suas riquezas que as enterravam nas casas grandes para que não fossem roubados, às vezes morrendo e não deixando a localização de tal riqueza, dando origem no Nordeste as lendas de botijas de tesouros em ouro perdidos a serem achados um dia por alguém. O Vale do Piancó nasce então ao redor dos currais, tal qual no Vale do São Francisco, onde a alma cultual do “sertanejo-vagueiro” vai moldar com sangue, suor e trabalho a alma de um povo que no século XX se redistribuiria pelas metrópoles nacionais na construção do país.
Por: Lourival Inácio (Itaporanga)
Com apoio de Antonio Cabral (Historiador-FIP/Patos)