Sou pessoa de poucas leituras, e mesmo desordenadas. Não o declaro por mero charme. Externo, divulgo, todavia, o meu pensamento, em algumas oportunidades de “segunda mão”, como assinalava Carpeaux, pois seria verda-deiramente impossível a qualquer um a leitura de tudo que se publicou, nos próprios textos, senão, vezes em exegeses, calcadas é certo, numa concepção do mundo. Então emitimos nossas opiniões, nosso julgamento. É o meu caso, que guarda algo daquela ontologia que passa de Aristóteles a Santo Agostinho, Berson e Heidegger – a tomada de consciência de si. Por tal prolegômenos intitulei o meu primeiro de livro de versos “A Face do Tempo”.
No terreno da literatura posso dizer que não aprecio, e que não gosto de poemas longos, que sempre claudicam. Nem tanto. Existem, alguns, todavia, que me interessam, os julgo perfeitos e também me agradam: Os Lusíadas, A Divina Comédia, Vida e Morte Severina entre muitos outros. O poema longo entra na categoria da epopéia de onde nasceu o romance, diferente do conto, leitura densa e exemplar, que lembra episódios como no Navio Negreiro: “Meu Deus! Meu Deus! / Mas que bandeira é esta / Que impudente / Na gávea tripudia? / Silêncio musa, chora e chora tanto / Que o pavilhão se lave no teu pranto. / Auriverde pendão de minha terra / Que a brisa do Brasil beija balança / Tu que na liberdade após a guerra, / Foste hasteado dos heróis na lança, / Antes te houvesse roto na batalha / Que servires ao povo de mortalha. / [...] Mas é infâmia de demais / Da etérea plaga / Levantai-vos heróis do novo mundo ? Andrada arranca esse pendão dos ares / Colombo fecha a porta dos teus mares”. Está aí a minha verdade. Eis o exemplo.
Este é inegavelmente um poema imortal, na concepção de Bruno To-lentino. Continua lido como foi escrito, arregimentando o povo e despertando o sentimento de nação, identificando o poeta como verdadeiro protagonista da história do seu país. Leiam: “Elevar um discurso para fora do alcance do poder letal do tempo significa, justamente, temporalizar ao mais alto grau as coisas e as linguagens da mente... Estou dizendo que o poeta máximo é aquele cujo dizer, fundado nas coisas deste mundo, num presente vivido, tende de modo natural àquelas alturas do pensamento a que convergem o universal, os mistérios da sensibilidade de um poeta e as sutilezas de seu idioma. A partir de então este pode “mudar” o quanto seja – e nosso léxico preferencial e até nossa sintaxe mudaram muito desde a composição de “Vozes d’África” – mas não lhe será mais possível furtar nada ao impacto emotivo-verbal que a um dado ponto na história nele encarnou-se perfeitamente”.
Poetas para mim, entre os de “escolas” modernas ou pós, aceito Sérgio Castro Pinto, Jomar Souto, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Beaudelaire, Whitman, Eliot, e uns que se dizem ou se mostram renovadores... Tenho poucas leituras, repito. Mas a qualidade do poema, para mim, não está no tamanho, mas na palavra e na emoção que transmitem os assuntos, os temas – todos e qualquer um guardam a sua natureza prosaica, deliciosa que aí mora a beleza da chamada filosofia da vida, do trabalho que transforma o mundo, de que tratam todos os versos e conceitos que buscam aprisionar o tempo em categorias sobre o ente e o ser, no temporal da existência humana que pressupõe a idéia de movimento, de história. Poema longo claudica, repito. Poesia deve prenunciar no espaço dos “agoras” a enfática revolução social, pois tratam da vida, da sociedade dos homens, não de colônias de bactérias, de formigueiros, que não intuíram o espelho da alma para se situar no tempo. Nada mais.
O nome do escritor Ascendino Leite está no título deste artigo. Mas como poeta sem maior brilho entre os bons poetas, acrescento. Meu parente e amigo Ascendino, era um festejado romancista e reconhecido homem de letras, todos concordamos. É o mais luzente entre os memorialistas, os mes-tres do “jornal literário” nas letras brasileiras, e não receio dizê-lo, entre os maiores na literatura ocidental. “Ninguém pode abrir sozinho o seu túnel pessoal para a claridade do dia sem o risco de morrer sob os entulhos.” Esta reflexão de Aníbal Machado encontrei-a no seu jornal. Ele se compraz em pensamentos como este, em temores secretos, que o fazer literário revela. Sérgio Castro Pinto perlustra outras galáxias literárias. Não condeno de forma irrecorrível a escrita escapista do mestre Ascendino Leite. O que não aceito é a sua consciente intolerância. A sua compreensão acomodada das tarefas próprias do intelectual, do homem de letras em face do seu povo e do seu país. Atrái-me, entretanto, a sua literatura. A qualidade do estilo, o poder de divagação, a iluminação de sua vida interior despertam-me a curiosidade. Encontro-me nele em ocasiões de relaxamento e preguiça, gozo certo prazer. Em suma, um documento exemplar e agradável para o conhecimento de fatos de sua vida, e de fases da vida literária do país, do ponto de vista de um publicista católico, como o classificariam com autoridade. E nada tenho a opor. Como poeta falta-lhe a perfeição da forma e a descoberta das palavras que se ajustam às idéias, aos sentimentos, a emoção ao externá-las.
Exemplifico com a poética de Sérgio Castro do Pinto, cuja inteligência e sensibilidade instiga a linguagem para ver melhor, para conhecer o coração e as idéias escondidas “detrás do bolso do paletó”. A sua poesia, direi, é eco-nômica e valiosa na síntese das reflexões profundas. No mundo hoje governado pelo Mercado, foi a melhor metáfora que encontrei para lhe brindar.
Eilzo Matos, Sertão. Inverno.Março 2011